ACIDENTE DO TRABALHO. DOENÇA DO TRABALHO. E A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.

João Batista dos Santos

Advogado no Rio de Janeiro

– I –

HISTÓRICO

A Constituição Federal assegura, através dos incisos V e X, do artigo 5º, ao ofendido o direito de resposta, além da indenização por dano material, moral ou à imagem, tornando invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, e a imagem, assegurando ainda  o direito à indenização em decorrência de sua vinculação.

É, também em razão da Constituição Federal, que o trabalhador ofendido em função do contrato de trabalho, deve perseguir uma indenização por dano moral, estético, material, e perda da capacidade laborativa, quando o empregador incorrer em culpa ou dolo, e essa indenização deve ser postulada em sede trabalhista em face do que dispõem os artigos 114 e 7º, inciso XXVIII, ambos da Carta Magna.

Historicamente, o Eg. Supremo Tribunal Federal com base no artigo 109, inciso I, da Constituição Federal, vinha decidindo que a competência para apreciar o conflito entre Empregado e Empregador, em razão de acidente do trabalho, era de competência da Justiça Estadual, conforme se vê do seguinte acórdão:

“Recurso extraordinário – (…) II – Competência – Justiça Comum – Ação de Indenização fundada em acidente de trabalho, ainda quando movida contra o Empregador. 1 – É da Jurisprudência do STF.  que, em geral, compete à Justiça do Trabalho decorrentes da relação de emprego, não importando deva a controvérsia ser dirimida à luz do direito comum e não do Direito do Trabalho. 2 – Da regra geral são de incluir-se, porém, por força do artigo 109, I, da Constituição, as ações fundadas em acidente de trabalho, sejam as movidas contra a autarquia seguradora, sejam as propostas contra o Empregador. (STF. RE 349.160, BA, 1ª T., Min. Sepulvera Pertence. DJU 19.3.2003, p. 000 4º).

Contudo, o Eg. Supremo Tribunal Federal, apreciando matéria inerente a acidente do trabalho em ação contra Empregador, pretendendo reparação civil, entendeu, de pronto, baixar a Súmula 736, em novembro de 2003, com base não só no artigo 114, como principalmente quando o Empregador incorrer em culpa ou dolo, na forma do inciso XXVIII, do artigo 7º, ambos da Constituição Federal que, a rigor, fixa a competência da Justiça do Trabalho para dirimir essa controvérsia.

736 – Competência  – Ações que tenham como causa de Pedir o descumprimento de Normas Trabalhistas Relativas à Segurança, higiene e Saúde dos Trabalhadores – Justiça do Trabalho.

Compete à Justiça do Trabalho Julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene, saúde soa trabalhadores (DJ 9-12-03)

No mesmo sentido é o entendimento do Eg. Tribunal Superior do Trabalho que, com amparo do artigo 114, da Constituição Federal e agora com a existência da Súmula nº. 736, do Eg. Supremo Tribunal Federal admite, de forma pacífica, a competência da Justiça do Trabalho, para apreciar matéria relativa a acidente do trabalho, e ainda com supedâneo no artigo 7º, inciso XXVIII, da Lei Magna, como se vê do seguinte aresto:

“ Ações por danos material e moral provenientes de infortúnios do trabalho – Competência do judiciário do Trabalho em razão matéria – Inteligência dos artigos 14, 7º inciso XXVIII, e 5º inciso X, da Constituição – As pretensões provenientes da moléstia profissional ou do acidente do trabalho reclamam proteções distintas dedutíveis em ações igualmente distinta, uma de natureza nitidamente providenciaria, em que é competente materialmente à Justiça comum e a outra, de conteúdo, semelhantemente trabalhista, com substancia na autorização reparatória dos danos material e moral, em que é excludente a competência à da Justiça do Trabalho, a teor do artigo 114 da Carta Magna. Isso em razão de o artigo 7º, do inciso XXVIII, da Constituição dispor que  “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, seguro contra acidente de trabalho, a cargo do Empregador, sem excluir a indenização a indenização a que este está obrigado, obrigado, quando incorrer e dolo ou culpa”, sem razão do qual se impõe forçosamente a ilação de o seguro e a indenização pelos danos causados aos empregados oriundos de acidentes de trabalhos ou moléstia profissional equiparem-se a verbas trabalhistas. O dano moral do artigo 5º, inciso X, da Constituição, a deu turno, não se distingue ontologicamente do dano patrimonial, pois de uma mesma ação ou omissão, culposa ou dolosa, pode resultar a ocorrência simultânea de um ou de outro, além de em ambos verificam-se o mesmo pressuposto do ato patronal infringente de disposição legal, sendo marginal o fato de o cálculo da indenização do dano material obedecer o critério aritmético e o da indenização do dano moral, o critério estimativo. Não desautoriza, por fim, a silutante competência do Judiciário do Trabalho qualquer alerta de o direito remontar pretensamente ao artigo 159, do Código Civil. Isso nem tanto pela evidência de ele reportar-se, na verdade, ao artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição, mas sobre tudo em face do pronunciamento do STF, em acórdão da lavra do Ministro Sepulvera Pertence, no qual se concluiu não ser relevante para a fixação da competência da Justiça do Trabalho que a solução da líder remeta a norma de direito Civil, desde que o fundamento do pedido se assente na relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho (Conflito de Jurisdição nº 6.959-6, Distrito Federal). Recurso conhecido e desprovido (…). TST RR. 790163-4ª T.-Min. Antônio José de Barros Levenhagem – DJU 12/09/2003.

O Eg. Tribunal Superior do Trabalho, por conseguinte,  consolidou o seu entendimento a respeito da matéria na Orientação Jurisprudência nº  SDI-1 327, que tem a seguinte ementa:

“Dano Moral. Competência da Justiça do Trabalho.

Nos termos do artigo 114, da CF. 1988, a Justiça do Trabalho é competente para dirimir controvérsias referentes indenizações por dano moral, quando decorrentes da relação de trabalho “ (DJ – 09.12.2003 – parágrafo único do artigo 168 do Regimento Interno do TST.

Há, outrossim, sólida Jurisprudência perante o Tribunal Superior do Trabalho, acerca de sua competência para apreciar matéria de acidente do trabalho, em que haja culpa ou dolo do Empregador em relação ao Empregado, como se vê da ementa:

O fato do trabalhador acidentado não ter gozado auxilio-doença pago pelo INSS não impede a responsabilização judicial da empresa que não realiza o exame demissional nem fornece a guia CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), necessária a percepção do benefício previdenciário. A possibilidade de impor indenização com base no código Civil foi reconhecida pela Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho ao negar um recurso (agravo de instrumento) interposto, no TST, pela Telemar Norte Leste S/A e cujo relator foi o juiz convocado Vieira de Mello Filho. (AIRR 819/00-023-05-40—6).

A doutrina e a Jurisprudência, com efeito, se encaminham no sentido de que a indenização por dano material, moral ou estético, assim como a perda da capacidade laborativa, por ato do Empregador, ocorrido em relação ao contrato de trabalho, seja apreciado pela Justiça do Trabalho, em razão do previsto nos artigos 7º, inciso XXVIII, 5º inciso X e 114 da Constituição Federal.

Por outro lado, o Eg. Superior Tribunal de Justiça, embora trilhe outro caminho quanto à competência para apreciar pedido de indenização por acidente de trabalho, pois entende que a Justiça Comum deve, sistematicamente, apreciar essa controvérsia, entende que a doença do trabalho, conhecida como LER – lesão por esforço repetitivo,  é considerada acidente do trabalho e com essa característica deve o lesionado ser indenizado, como se vê do acórdão a seguir mencionado, da lavra do ilustre Relator Ministro Barros Monteiro, julgado em 23/11/2004, “in verbis”:

“ACIDENTE DO TRABALHO. LER. INDENIZAÇÃO.

 

A Turma entendeu que se inclui no conceito de acidente do trabalho o microtrauma repetitivo que ocorre no exercício do trabalho exercido na empresa, provocando lesões que causem incapacidade laborativa. Na espécie, devido às condições agressivas de trabalho, o recorrente contraiu enfermidades incapacitantes, apresentando quadro de LER-lesões por esforços repetitivos (caracterizado como síndrome de impacto bilateral. Com tendinite de supra-espinhoso e problemas na coluna. Assim, aplicando o direito à espécie, a Turma condenou a ré a pagar a indenização de 50% do capital segurado (trinta vezes o salário percebido pelo obreiro à data da perícia) acrescida de correção monetária a contar da referida data mais juros de 0,5% ao mês, a contar da citação, custas e honorários de 15% sobre o valor da condenação. Precedentes citados: REsp 242104-SP, DJ 22/5/2000; REsp 254.469-SP, DJ 10/6/2002, e REsp 237.594-SP, DJ 8/3/2000. REsp 324.197-SP, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 23/11/2004”.

Em resumo, tem-se que inexiste dúvida quanto ser a Justiça do Trabalho competente para apreciar pedido de indenização decorrente de acidente de trabalho, quando o Empregador incorrer em dolo ou culpa, em face do estatuído na Constituição Federal, artigos 114 e 7º, inciso XXVIII, em que se pese a existência de discussão como referido.

É também, inquestionável, no momento, o pensamento dos Tribunais Superiores (Supremo Tribunal Federal, Tribunal Superior do Trabalho e Superior Tribunal de Justiça), quanto ao entendimento de que, abrindo caminho para interpretação ampliativa dos artigos 114 e 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal, sejam as doenças do trabalho, como por exemplo LER, para citar apenas uma, consideradas acidente do trabalho, e como tal, indenizáveis, na forma da legislação civil, em que pese o fato tenha ocorrido em relação ao contrato de trabalho.

Essa interpretação ampliativa e sistemática da Constituição Federal, acerca do assunto, tem trazido ao debate inúmeros doutrinadores, e, decerto, outros virão, quando se discutir: prescrição, honorários, perícia, prazos, e principalmente em razão da reforma substantiva do Judiciário que nesse momento se avizinha.

Contudo, a ação de reparação pela perda da capacidade laborativa, em razão de ter contraído doença do trabalho, considerada acidente laboral, a verba pleiteada não é de ser considerada trabalhista, e sim de cunho eminentemente civil, daí ser, em relação ao contrato com o empregador, considerada híbrida ou atípica, em que pese ter curso na Justiça Especializada.

– II –

CONCEITO DE ACIDENTE DE TRABALHO

O conceito de acidente de trabalho, a nosso ver, é aquele encontrado no artigo 19, na Lei nº 8.213/91, que tem seguinte extrato:

“É o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho, em suas varias modalidades .

Os segurados especiais, aqueles referidos no inciso VII, do artigo 11, de que tratam os Planos de Benefícios da Previdência Social, quando sofreu lesão corporal ou perturbação funcional, dando causa à morte ou até mesmo a perda da capacidade laborativa, de caráter temporário ou permanente, se enquadram no conceito de acidente de trabalho.

Sem dúvida que, no conceito de acidente de trabalho, há de inserir-se as doenças ocupacionais, como previstas no artigo nº 20, do referido diploma legal, com as suas subdivisões, produzidas ou desencadeadas pelo efetivo trabalho desenvolvidos em certas atividades, inclusive por agentes físicos, químicos ou biológicos, que, em razão da função exercida pelo trabalhador, essa chamada doença do trabalho, pode ser considerada típica ou atípica, como se vê do referido artigo 20, da Lei nº 8.213/91.

Por outro lado, o trabalhador pode, em razão de esforços fora dos parâmetros normais contrair doença, hoje chamada do trabalho, conhecida como LER (lesões por esforços repetitivos), ou DORT (distúrbios osteomusculares relacionados relacionados ao trabalho), que o incapacita para as atividades normais, reduzindo ou suprimindo, em caráter definitivo a capacidade laborativa, transformando-o em inválido para o trabalho em caráter provisório ou definitivo

– III –

 OS DANOS MORAIS, ESTÉTICO, MATERIAL.

ASSÉDIO MORAL, ASSÉDIO SEXUAL.

Como já se afirmou em outras oportunidades acerca do tema, quando ocorre em face do contrato de trabalho, em razão da relação entre empregado e empregador, por culpa ou dolo deste, o trabalhador ou seus familiares devem ser ressarcidos dos prejuízos causados, na forma do preceituado no artigo 159 do antigo Código Civil e no artigo 205, do atual, como determinam os artigos, 186 e 187, combinado com o 927, todos da Lei nº 10.406, de 10-1-2002.

Logo, após a Constituição Federal de 1988, os litígios relativos a indenização por danos moral, estético, material, assédio moral e assédio sexual, em razão do contrato de trabalho, são considerados acidentes do trabalho, assim como as doenças contraídas em razão do pacto laboral e como tal na forma dos artigos 114, 7º, inciso XXVIII e 5º, inciso X, todos da Constituição federal, quando o empregador incorrer em culpa ou dolo, devem ser processados e apreciados pela Justiça do Trabalho.

– VI –

PRESCRIÇÃO

A prescrição em sede trabalhista, como se sabe, encontra-se prevista no artigo 11, da Consolidação das Leis do Trabalho, aduzindo que prescreve em dois anos de direito de pleitear a reparação de qualquer ato infringente, e a Constituição Federal, no seu artigo 7º, inciso XXIX, também trata do assunto, informando que, após o termino do contrato, o trabalhador tem o prazo de dois anos para acionar o patrão, retroagindo os direitos a cinco anos, mas quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho (o grifo é nosso).

Contudo, a ação por dano material, moral ou estético, embora deva ser endereçada à Justiça do trabalho, porque resultante de ato praticado no curso da relação de emprego, controvérsia entre empregado e empregador, não constitui, com efeito, crédito trabalhista, e sim de cunho cível, dada à sua natureza.

Em que pese a existência de norma maior, determinando que essa controvérsia seja dirimida na Justiça do Trabalho (artigos 114, e 7º inciso XXVIII, da Constituição Federal), a verdade é que o credito diz respeito a área cível e decorre, sem dúvida, de ato calunioso, desonroso, culpa ou doloso por parte do empregador, daí resultando que a prescrição é a prevista do Código Civil.

Nessa linha de raciocínio, há de se imaginar que o prazo prescricional para dano material, moral ou estético e as ações de acidente do trabalho é de 20 anos, tal como previsto no artigo 177 do Código Civil de 1916, e atualmente como determinam os artigos 205 e 2028, do atual Código Civil Brasileiro, afastando-se a idéia da prescrição aludida na sistemática do Direito do Trabalho, na medida em que não se discute créditos resultantes das relações de trabalhos, artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal.

O ato tido como desonroso e ofensivo culposo ou doloso ao trabalhador, tendo ocorrido na vigência do contrato de trabalho, enseja a ação reparadora, mas para o crédito em que, do elenco constando dano material, moral ou estético, daí de remeter-se essa postulação para o direito civil, e lá enquadra-la na prescrição pertinente.

Aliais, a esse respeito, o Eg. Tribunal Superior do Trabalho, apreciando o processo E.RR-8871/2002-9000-02-00, explicita:

“Frise-se que tal entendimento encontra respaldo em parcela respeitável da doutrina, como se vê  a seguir:

O Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a existência de direito de natureza híbrida, acabou firmando entendimento de na aplicação, deve prevalecer o maior prazo aplicável as diversas natureza híbrida, acabou firmando entendimento de na aplicação da prescrição, deva prevalecer o maior prazo aplicável as diversas naturezas, como forma de resguardar o exercício do direito ao maior bem tutelado. No caso do FGTS, prevaleceu a prescrição trintenária sobre a qüinqüenal, como forma de proteger a parcela de natureza social desse direito.

Observando ambos os fundamento, podemos verificar que, tanto a doutrina como a jurisprudência distinguem os créditos decorrentes da relação de trabalho, como trabalhista típico (de natureza híbrida), reconhecendo que somente os primeiros é que se submetem á regra geral da prescrição constitucional, enquanto os trabalhistas atípicos, escapam de sua tração em havendo regra analógica própria.

O crédito trabalhista típico, é aquele cuja observância interessa somente ao trabalhador, como os que se destinam a remunerar de alguma forma sua foca de trabalho, enquanto os conceituados como trabalhista atípicos, apesar de poderem ter revestimento patrimonial e guardar origem na relação de trabalho, são de interesse social, não só da classe trabalhadora, tais como o direito à integridade física e mental, à segurança, e a previdência social”

– V –

CONCLUSÃO

De concluir-se que a ação de acidente de trabalho, como exposto, deve ser apreciada pela Justiça do Trabalho, na forma do entendimento do Eg. Supremo Tribunal Federal e com o respaldo pelo Eg. Tribunal Superior do Trabalho, e em razão do preceituado pela Constituição Federal.

As doenças do trabalho, inclusive aquelas referidas na Lei nº 8.213/91 e nos Planos de Benefícios da Previdência Social, devem ser consideradas como acidentes do trabalho, e como tal seguir a indenização prevista no Código Civil, embora sendo apreciada pela Justiça do Trabalho.

Que a aplicação na espécie, quanto de prescrição, há de ser a do Código Civil, para todos os efeitos legais, na forma do artigo 177, do antigo código com as observâncias contidas nos artigos 205 e 2028, do código de 2003.

Rio de Janeiro, 17 de novembro de 2004.

Publicado LTr 28/05, ano 41, 2005.

JBS/au

n/jbs/trabalhopublicado/competenciadaJustiçadoTrabalhodoc.(pág.7)